“Todo mundo merece viver com saúde”, diz morador da favela da Rocinha
Ruan Juliet, influenciador do TikTok, compartilha como é viver com lixo, esgoto e enchentes na Rocinha, a maior favela do Brasil
Aos 22 anos, Ruan Juliet conquistou milhares de seguidores no TikTok, mas seus vídeos não mostram tendências ou desafios virais. , ele transforma sua rotina em conteúdo para mostrar uma realidade ignorada: ruas alagadas, lixo acumulado e que atravessam a comunidade.
“Ninguém merece ter que escolher entre fechar as janelas e passar calor ou deixar aberto e sentir cheiro de esgoto. Essa é a realidade que a gente enfrenta aqui”, afirma em entrevista ao Metrópoles.
Com 70 a 100 mil moradores distribuídos em ruas estreitas e morros, a Rocinha é a maior favela do Brasil, segundo o IBGE. A comunidade enfrenta problemas históricos de infraestrutura, como falta de saneamento básico, coleta de lixo irregular e enchentes frequentes.
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A vida em ambientes insalubres é perigosa tanto para a saúde física quanto mental. Jessica Fernandes Ramos, infectologista do Hospital Sírio-Libanês e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), explica que o lixo, o esgoto e a alta densidade de pessoas aumentam o risco de surtos de doenças transmissíveis.
“A ausência de coleta de lixo e presença de esgoto favorecem a proliferação de mosquitos vetores como o Aedes aegypti, moscas e baratas, que disseminam vírus e bactérias. Roedores se multiplicam nesses ambientes e mantêm o ciclo da leptospirose. A alta densidade populacional e moradias sem ventilação aceleram a transmissão de doenças respiratórias, como tuberculose e influenza”, explica.
Crianças e idosos estão entre os mais vulneráveis, já que tendem a desenvolver formas mais graves das doenças. No caso de Ruan, a situação se agrava devido ao seu diagnóstico de asma.
Ele relata que a falta de ventilação nas casas e o excesso de umidade intensificam ainda mais as crises. Viver diariamente em ambientes fechados piora os problemas respiratórios e favorece o surgimento de alergias, infecções de pele e irritações nos olhos.
Doenças no cotidiano
Outro incômodo diário de quem vive na Rocinha é o odor forte de esgoto e lixo. Para evitar que o mau cheiro entre nas casas, os moradores mantêm as portas e janelas fechadas, mesmo em dias quentes. Isso acaba gerando outro problema, que é a falta de circulação de ar, causando abafamento e contribuindo para o aparecimento de mofo.
Além dos inúmeros problemas de saúde, muitas crianças acabam perdendo aulas na escola devido a doenças como verminoses, viroses ou infecções de pele, o que prejudica o desempenho escolar e compromete o aprendizado.
Para Ruan, o mais difícil não é só conviver com o problema diariamente, mas perceber como ele se tornou parte da rotina de todos na região. Crianças brincam ao lado de córregos sujos, vizinhos lidam com e ratos que circulam livremente.
“É duro ver criança adoecendo por causa de esgoto a céu aberto. E o mais pesado é que a gente se acostuma”, relata o influenciador.
A alta densidade populacional e a construção improvisada ampliam os riscos de acidentes, como deslizamentos e quedas, e dificultam a circulação de veículos e pessoas, especialmente em dias de chuva intensa.
Principais doenças associadas à falta de saneamento
Tuberculose.
Dengue, zika e chikungunya.
Leptospirose.
Doenças diarreicas e hepatite A.
Infecções respiratórias e doenças de pele.
Atendimento de saúde é difícil
Com tantos problemas, a situação dos moradores de ambientes insalubres é ainda mais difícil pela falta de acesso ao atendimento com um profissional de saúde. Apesar de existirem postos dentro da Rocinha, conseguir um horário é tarefa complicada.
Postos de saúde vivem superlotados e muitas vezes faltam médicos, medicamentos e estrutura para dar conta da demanda. Em casos mais graves, os moradores precisam se deslocar para hospitais fora da comunidade, onde enfrentam filas longas e demora no atendimento, causando ainda mais risco à saúde.
Saúde mental dos moradores da Rocinha
Ruan conta que viver próximo a esgoto a céu aberto gera tensão constante e cansaço mental. A exposição contínua a riscos e à falta de saneamento básico aumenta o estresse, podendo causar insônia, crises de ansiedade e sintomas depressivos.
Entre as crianças, essa realidade compromete a concentração, prejudica o desempenho escolar e intensifica sentimentos de insegurança. Nos adultos, a frustração se manifesta em cansaço mental e baixa autoestima.
André Machado, psicólogo, integrante do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro e mestre e doutor pela PUC-RJ, explica que viver em condições precárias, exposto a enchentes e lixo, pode comprometer a saúde mental dos moradores de diversas formas.
“O mau cheiro dos esgotos, o caos visual das construções e a ameaça de deslizamentos criam um estresse crônico que não dá trégua. Na Rocinha, onde a topografia íngreme amplia esses riscos, o corpo tem picos de cortisol. Moradores relatam sentir o coração acelerar com barulhos de tiroteios, que se misturam à incerteza ambiental, gerando sintomas parecidos com o transtorno de estresse pós-traumático”, esclarece.
O cenário para atendimento de saúde mental é muito delicado. O número de psicólogos disponíveis no sistema público não supre a necessidade da população. Muitos moradores relatam esperar meses por uma consulta ou acabam desistindo do tratamento pela dificuldade de acesso. Para jovens como Ruan e moradores da favela, lidar com esse tipo de estresse sem acompanhamento profissional se tornou parte da rotina.
Resistência dos moradores
Apesar dos desafios, Ruan também mostra a força da comunidade. Ele destaca mutirões organizados por moradores, projetos sociais e pequenas melhorias de infraestrutura que, aos poucos, amenizam parte dos problemas.
“O mais difícil não é o lixo, é viver sem dignidade. Quando o poder público não resolve, o morador encontra um jeito. A favela não pede privilégio, pede igualdade”, afirma.
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Por: Metrópoles