O TCU (Tribunal de Contas da União) decidiu em 19 de fevereiro de 2025 manter o entendimento de que presentes recebidos por presidentes e vice-presidentes da República não são patrimônio público. A decisão (íntegra – PDF – 928 kB) validou a tese, estabelecida em 2024, de que não há uma lei para especificar valores e critérios de itens recebidos por chefes do Executivo e de seus vices para classificá-los como personalíssimos ou de direito da União.
A Corte de Contas foi contra uma decisão que o próprio TCU havia tomado em 2016. À época, havia decidido que deveriam ser incorporados ao patrimônio da União todos os documentos e presentes recebidos pelos presidentes da República –com base no decreto 4.344 de 2002 (PDF – 263 kB). Ficariam excluídos só os itens de natureza personalíssima ou de consumo próprio. O problema é que nunca se chegou a uma conclusão de maneira cartesiana sobre o que seriam esses itens de natureza personalíssima ou de consumo próprio.
Por essa razão, o TCU recuou ao analisar um recurso (PDF – 323 kB) da AGU (Advocacia Geral da União) contra esse entendimento. Era um caso em que foi permitido ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ficar com um relógio francês, da marca Cartier, que ganhou de presente em 2005. No recurso (PDF – 792 kB), a AGU pedia que fosse aplicada a tese de que Lula não precisaria devolver o relógio, porque o TCU só proferiu decisão sobre o tema em 2016 (PDF – 306 kB), determinando que itens de alto valor e de uso não-pessoal deveriam ser propriedades do Estado. Assim sendo, o entendimento não poderia retroagir a 2005.
No final, o TCU aceitou a tese da AGU e acabou beneficiando Lula, mas não concordou que a regra deveria valer para todos os casos depois de 2016. A Corte de Contas decidiu que não tem como determinar quais presentes, independentemente de valor, podem ser incorporados ao patrimônio da União, porque não há uma lei disciplinando esse assunto.
O relógio recebido por Lula em 2025 quando era presidente vale agora, março de 2025, segundo o site do fabricante, R$ 67.500.
O relógio usado por Lula aparece no processo analisado pelo TCU:
Na prática, a decisão do TCU que beneficia Lula também pode favorecer o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no caso dos presentes de alto valor que recebeu. Bolsonaro é acusado de crime por ter ficado com joias recebidas do governo da Arábia Saudita. O caso está sob análise da PGR (Procuradoria Geral da República).
O antecessor de Lula no Planalto foi alvo de um inquérito da PF (Polícia Federal) que investiga o que considera ser um desvio de R$ 6,8 milhões em bens (presentes recebidos por Bolsonaro e não incorporados ao acervo da União). Com a posição da Corte de Contas de que presidentes não precisam devolver itens de cunho pessoal, a defesa de Bolsonaro deve ser fortalecida.
O governo Lula queria uma autorização para que o presidente pudesse manter o relógio francês, mas que fosse também fixada uma tese para obrigar a devolução de itens recebidos depois de 2016 por presidentes da República. Isso não prosperou no TCU. Lula vai manter seu relógio Cartier, mas Bolsonaro agora argumenta que também pode fazer o mesmo com os presentes que recebeu, não importando o valor.
O ex-presidente já comemorou em agosto de 2024, quando o TCU começou a julgar o caso e sinalizou qual seria a decisão. Em 14 de março de 2025, com o acórdão do TCU publicado a respeito desse tema, Bolsonaro voltou a se proclamar inocente no caso das joias:
Ocorre que a decisão do TCU é de natureza administrativa. O reconhecimento da existência de crimes no caso de Bolsonaro caberia à Justiça criminal, por meio de análise de condutas e circunstâncias. Não está claro o peso que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, dará à decisão do TCU quando vier a despachar sobre o caso das joias recebidas por Bolsonaro.
Leia a seguir os documentos sobre regras a respeito de presentes recebidos por presidentes da República:
O Poder360 tem a íntegra do inventário de Lula, de quando o petista passou pelo Palácio do Planalto em seus 2 primeiros mandatos (2003 a 2010). Leia aqui (parte 1 e parte 2) a descrição de cada item. Clique nos links abaixo para ter acesso a todas as fotografias dos itens catalogados: