
Militar ucraniano na fronteira com a Rússia na região de Sumy Reuters/GLEB GARANICH
Estratégia de guerra
A conclusão da enviada da ONU de que a tortura faz parte da estratégia de guerra da Rússia foi construída com base “na escala, abrangência geográfica, organização e objetivos da tortura”.Alice Edwards enfatiza que os casos de tortura não se tratam de comportamento isolado ou pontual. “É algo claramente organizado e realizado rotineiramente com finalidades militares específicas”, ressalta. Sobre o tratamento dispensado pelos ucranianos, a relatora afirma que “há também alegações de tortura e outros maus-tratos por forças ucranianas contra cativos russos, que também devem ser investigadas e cujos responsáveis devem ser processados de maneira justa e imparcial”.“Concluo que faz parte da estratégia de guerra russa – para extrair informações e inteligência, incutir medo e submissão nas populações ocupadas e punir aqueles que demonstram lealdade ou apoio à Ucrânia”.
Acesso nos países
Alice Jill Edwards disse à Agência Brasil que o acesso aos prisioneiros e locais de detenção não se deu da mesma forma nos dois países envolvidos na guerra. A abertura encontrada na Ucrânia contrasta com o tratamento recebido no país vizinho. “A Federação Russa recusou meus pedidos de visita a áreas ocupadas pela Rússia ou ao próprio território russo”, afirma. “Visitei a Ucrânia em setembro de 2023. Tive acesso livre a qualquer local onde pessoas estivessem privadas de liberdade e visitei um campo de prisioneiros de guerra em Lviv, que, na época, abrigava cerca de 300 detidos russos”, descreve. “Encontrei dezenas de vítimas e sobreviventes da tortura russa. Desde então, tive acesso a mais de uma centena de testemunhos de vítimas e sobreviventes ucranianos”, completa.Direito internacional
A relatora especial do ACNUDH esclarece que o direito internacional, por meio das Convenções de Genebra de 1949, garante tratamento humano e digno durante a detenção, e que prisioneiros de guerra têm um status especial de proteção.Edwards reforça que a tortura e outros atos desumanos são crimes de guerra e acrescenta: “Quando parte de um ataque generalizado ou sistemático contra a população civil, constituem crimes contra a humanidade”. Tanto Rússia quanto Ucrânia são signatárias das Convenções de Genebra, lembra a representante da ONU. "Por isso, são obrigadas a tratar todos os prisioneiros de guerra de forma humana, em todos os momentos, desde a captura até a libertação e repatriação", ressalta. “Os prisioneiros devem sempre ser protegidos, em particular contra atos de violência ou intimidação, insultos e exposição pública”.“A proibição internacional da tortura é absoluta em todas as circunstâncias, inclusive em tempos de guerra – não há exceções, imunidades ou prazo de prescrição para processos, e o acusado não pode alegar como defesa que estava apenas seguindo ordens superiores”, frisa.

Ataque russo com mísseis em Kiev REUTERS/Valentyn Ogirenko/Proibida reprodução
Caminho para a paz
A duração do conflito é um indicativo de que negociações para a paz entre Rússia e Ucrânia estão travadas. Um dos poucos entendimentos entre as duas nações tem sido a troca de prisioneiros de guerra. Em junho, um acordo envolveu 1,2 mil detentos de cada lado do conflito. A relatora especial da ONU defende que justiça e reparação para vítimas e sobreviventes de violações de guerra devem fazer parte das negociações e de um acordo final.Alice Edwards faz questão de afirmar que, mesmo depois de um eventual acordo de paz, os casos de violações precisam ser investigados. “O dever de investigar e processar a tortura recai sobre ambos os países e é uma obrigação sem limite temporal”, aponta. “As vítimas e sobreviventes são muito resilientes e continuarão buscando justiça e verdade mesmo muito tempo depois do fim das hostilidades”, finaliza.“A paz não será restaurada apenas com soluções de segurança e território”, diz.
Rússia x Ucrânia
A invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, está relacionada à disputa de influência sobre o Leste Europeu e à busca de Moscou por uma esfera de segurança russa com o fim da União Soviética, em 1991, da qual os dois países faziam parte. Em 2014, a Rússia já havia avançado sobre o território ucraniano e tomado a Crimeia, península estratégica junto ao Mar Negro. A aproximação da Ucrânia e da Europa Ocidental, com possíveis adesões de Kiev à União Europeia e à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) foram apontadas pelo governo da Rússia como ameaças potenciais, já que trariam a aliança militar liderada pelos Estados Unidos à sua fronteira imediata. Com a invasão à Ucrânia, os russos conseguiram ocupar províncias do leste do país, onde há grande influência da cultura e da língua russas. A definição do futuro desses territórios está entre as grandes dificuldades das negociações para o encerramento do conflito: Moscou não planeja devolvê-los, e Kiev reluta em entregá-los e diz que um cessar-fogo é essencial para que haja negociação. Desde a posse de Donald Trump, os Estados Unidos modificaram sua postura de apoio à Ucrânia e passaram a pressionar o país a considerar um acordo que inclua concessão de territórios. A Europa Ocidental, entretanto, busca garantias de que a Rússia não vai avançar mais no território ucraniano ou contra outros países europeus. Na semana passada, Trump se reuniu com o Vladimir Putin em uma base militar no Alasca, para tratar do conflito, e recebeu Volodymyr Zelensky e líderes europeus na Casa Branca três dias depois. As conversas, entretanto, não conseguiram estabelecer um acordo de cessar-fogo. Relacionadas
Rússia atinge instalações de energia ucranianas em seis regiões

Ucrânia lança onda de ataques contra a Rússia no dia da independência

Israel matou mais jornalistas que qualquer guerra da história mundial