• Sábado, 13 de dezembro de 2025

Rastreabilidade bovina: está na hora de remunerar realmente o produtor

Uma reflexão crítica sobre os limites da rastreabilidade como solução financeira e de gestão, à luz do Plano Nacional de Identificação Individual e da realidade econômica enfrentada pelo produtor rural.

Uma reflexão crítica sobre os limites da rastreabilidade como solução financeira e de gestão, à luz do Plano Nacional de Identificação Individual e da realidade econômica enfrentada pelo produtor rural. Por Fernando Lopa – A recente manchete “ Brinco no boi vira garantia em operação inédita de CPR no Rio Grande do Sul” pode até soar como um marco da chamada digitalização da pecuária, com promessas de acesso a crédito, modernização da gestão e entrada da pecuária brasileira em mercados mais exigentes. A leitura rápida passa a impressão de que estamos diante de um novo futuro para o setor, por mais que eu tenha que aplaudir a iniciativa inovadora, pioneira e que evidencia um modelo que pode ser adotado com outras finalidades, que não o levantamento de crédito, penso também que precisamos respirar fundo e contextualizar o cenário com mais cuidado. Com um olhar sobre o atual contexto da política nacional ( Plano Nacional de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos – PNIB), este texto busca fazer um contraponto sobre a narrativa dominante, ao menos nos gabinetes, frigoríficos e empresas de tecnologia do setor. Pode parecer que não, mas a intenção é fazer uma crítica construtiva em apoio a implantação da rastreabilidade no país.
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  • Com um olhar sobre o atual contexto da política nacional (Plano Nacional de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos – PNIB), este texto busca fazer um contraponto sobre a narrativa dominante, ao menos nos gabinetes, frigoríficos e empresas de tecnologia do setor. Pode parecer que não, mas a intenção é fazer uma crítica construtiva em apoio a implantação da rastreabilidade no país.window._taboola = window._taboola || []; _taboola.push({mode:'thumbnails-mid', container:'taboola-mid-article-thumbnails', placement:'Mid Article Thumbnails', target_type: 'mix'});
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  • Rastreabilidade não é sinônimo de sustentabilidade, nem de prosperidade econômica, muito menos de justiça para o produtor. E, principalmente, não é uma ferramenta acessível ao pequeno pecuarista sem forte subsídio dos governos. Ao ler a matéria, várias perguntas me surgiram imediatamente.O pecuarista investiu em uma técnica para acessar um crédito que já existe em abundância no mercado e que não exige essa técnica. Na prática, gastou para se endividar, o que nos leva a outra pergunta. Qual a taxa de juros envolvida. A atividade conseguirá gerar margem suficiente para pagar o investimento e ainda compensar os juros na hora da venda do gado. Um simples controle de fluxo de caixa não teria custo menor e resultado mais imediato. Também fica a dúvida sobre a narrativa de que a rastreabilidade moderniza a gestão da fazenda. O produtor já faz gestão quando identifica seus animais e utiliza um sistema de controle simples e acessível. É curioso observar que repetimos com insistência a ideia de que rastreabilidade é gestão, quando na verdade ela apenas possibilita a gestão, mas não é indispensável para isso. A rastreabilidade tem ligação muito mais direta com segurança alimentar do que com gestão do rebanho.E fica mais uma questão, talvez a mais importante. Em um cenário de queda da arroba e dos preços do mercado interno, como será a remuneração do produtor. A resposta repetida há anos é que quem rastreia perde menos do que quem não rastreia. Mas perder menos resolve o boleto? Resolve endividamento? A conta continua caindo na mão do produtor. Rastreabilidade como fim x rastreabilidade como meio: o erro de foco! Estamos presos a uma visão equivocada que trata a rastreabilidade como se fosse um fim. A narrativa dominante repete que ela abre mercados premium, garante qualidade, melhora a gestão e ajuda a monitorar irregularidades ambientais. Tudo isso parece ótimo no papel, mas na prática não é visto como um meio de gerar resultados concretos e imediatos para o produtor. E sem esse retorno, não há adesão voluntária em escala. Rastreabilidade custa tempo, dinheiro e capacidade operacional. Para fazer sentido, precisa oferecer algo maior do que promessas de acessos a mercados distantes e incertos. Precisa entregar valor real. Nesse ponto, tenho proposto que um dos meios mais interessantes para dar esse “valor real” seria o mercado de créditos de carbono: precisamos de sistemas viáveis, em que a pecuária rastreada (especialmente se associada a práticas de baixo carbono, manejo sustentável, preservação de pastagens nativas, etc.) possa gerar créditos ambientais no ato de rastrear e no pós rastreamento, gerando renda ao produtor logo no início do processo, como a proposição do Programa da Rastreabilidade Carbono Ativo, que mitigaria o risco de depender exclusivamente da volatilidade e regras comerciais do mercado para possível prêmio por ter investido na rastreabilidade. No artigo aponto que iniciativas no exterior já vem mostrando que a comercialização do carbono deve mudar, pois não vem trazendo os benefícios esperados ao produtor rural, principalmente os pequenos e médios que estão alijados, em sua grande maioria desse mercado. Hoje, a maior parte desses produtores está fora desse mercado. Sem ajustes profundos, continuará fora. Infelizmente, vemos pouca discussão séria sobre esse assunto. A maior parte da energia está voltada para tentar tornar a rastreabilidade obrigatória. Poucos estão pensando em como remunerar de verdade o produtor por essa digitalização. Sem um mecanismo claro de retorno financeiro, criaremos um sistema mais burocrático, mais caro e mais desigual. Em vez de inclusão, teremos mais uma barreira. Em vez de empurrarmos um programa nacional de rastreabilidade bovina de cima para baixo, poderíamos discutir projetos que tragam valor real e acessível para todos os produtores. É preciso abandonar a lógica do poderá e do agregará e substituir por iniciativas com retorno imediato, com foco em sustentabilidade ambiental e econômica e com impacto social positivo. Assim seria possível atingir quatro objetivos de uma só vez. Produtores contentes porque recebem para aderir ao sistema; Frigoríficos fortalecidos pela capacidade de acessar mercados mais competitivos; Governos comemorando metas de descarbonização alcançadas com apoio de pequenos e médios produtores; e uma população orgulhosa de ver um país que consegue desenvolver projetos sustentáveis de forma socialmente justa e economicamente viável. Se queremos transformar a pecuária brasileira de forma justa e sustentável, precisamos virar a ficha: abandonar a lógica de que rastreabilidade é um fim; colocá-la como meio para objetivos concretos; e garantir que quem produz seja beneficiado, e não penalizado.Só assim a rastreabilidade deixará de ser uma promessa distante e se tornará uma ferramenta real de valorização da produção, da pecuária e do campo. Fernando Lopa é Mentor de Carreiras e Negócios para o Agronegócio
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  • Por: Redação

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