• Quarta-feira, 25 de junho de 2025

Justiça exige alerta sobre uso do Bolsa Família em sites de apostas

Empresas têm 45 dias para implementar os avisos em suas plataformas e materiais publicitário.

A Justiça Federal de São Paulo determinou na 4ª feira (24.jun.2025) que plataformas de apostas incluam alertas específicos sobre o uso de recursos provenientes de programas assistenciais como o Bolsa Família e o BPC. Eis a íntegra (PDF – 125 kB).

A decisão foi assinada pelo juiz Gabriel Hillen Albernaz Andrade, após solicitação da Educafro e do CDCA (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Mônica Paião Trevisan). A ação tem como alvos a União Federal, empresas de apostas e o IBJR (Instituto Brasileiro de Jogo Responsável), organização que representa grande parte dos sites que operam no país.

As empresas citadas têm 45 dias para implementar os avisos em suas plataformas e materiais publicitários. O descumprimento da determinação acarretará multa diária de R$ 500 mil.

As entidades solicitaram também que as plataformas criem mecanismos para impedir que beneficiários de programas sociais se cadastrem e realizem apostas. Para isso, pedem que o governo federal compartilhe com os portais uma base de dados com os CPFs (Cadastro de Pessoa Física) dos beneficiários do Bolsa Família. O pedido foi negado.

O juiz também analisou o pedido para que fossem suspensas campanhas publicitárias voltadas ao público de baixa renda. Ele indeferiu essa solicitação ao entender que a medida seria excessivamente restritiva e poderia violar a liberdade de acesso à informação. A decisão considerou que, embora já exista proibição de publicidade enganosa ou abusiva, não foi demonstrado que as campanhas atuais descumprem esse arcabouço legal.

O advogado e ex-juiz Márlon Reis, que representa a Educafro na ação, disse ao Poder360 que já existem mecanismos tecnológicos capazes de cruzar dados para impedir que beneficiários do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada utilizem esses recursos em apostas. Ele afirma que a liminar representa um passo inicial importante enquanto o impedimento técnico definitivo não é implementado.

Para ele, o governo tem interesse nos impostos. “Lamentavelmente, parece que a maior preocupação do governo hoje é com a arrecadação de tributos provenientes dessas empresas, mas elas causam um dano social irreparável e que precisa ser detido. Nossa mais urgente preocupação é com as camadas hipervulneráveis”, disse.

Em abril, o presidente do BC (Banco Central), Gabriel Galípolo, afirmou ao site g1 que a autoridade monetária não possui poder legal para impedir o uso de recursos do Bolsa Família e do BPC nas apostas online.

“Cabe ao BC obedecer ao comando legal que recebe do legislador. Como é que, estando o dinheiro na conta, se é possível fazer alguma segregação. São estudos que estão sendo desenvolvidos pela secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda. O BC vai fazer aquilo que o comando legislativo determinar”, disse Galípolo.

Procurada pelo Poder360, a ANJL (Associação Nacional de Jogos e Loterias) informou que não irá se posicionar sobre o assunto. O IBJR (Instituto Brasileiro de Jogo Responsável) ainda não respondeu à tentativa de contato. O espaço segue aberto a manifestações.

Em setembro de 2024, o Banco Central publicou um estudo especial sobre o perfil dos brasileiros que realizam apostas. A análise abrangeu o período de janeiro a agosto de 2024 e teve como base dados de transações via Pix. Eis a íntegra (PDF – 299 KB).

O levantamento mostra que a maior parte dos apostadores está na faixa etária entre 20 e 30 anos. À medida que a idade avança, o valor médio mensal gasto em apostas aumenta:  entre os mais jovens, gira em torno de R$100, enquanto entre os mais velhos pode ultrapassar R$ 3.000 por mês, conforme os dados de agosto de 2024.

O relatório destaca o comportamento de brasileiros em situação de vulnerabilidade social.  Em agosto, cerca de 5 milhões de pessoas pertencentes a famílias inscritas no PBF (Programa Bolsa Família) destinaram aproximadamente 3 bilhões de reais a empresas de apostas. O valor médio gasto individualmente foi de R$ 100.

Setenta por cento são chefes de família, os principais responsáveis por receber o benefício. Juntos, movimentaram R$ 2 bilhões, o que representa 2/3 do valor total enviado a plataformas de apostas.

Para identificar os grupos em maior vulnerabilidade financeira, a instituição considerou o cadastro de beneficiários do Bolsa Família atualizado até dezembro de 2023. 17% desses cadastrados apostaram entre janeiro e agosto de 2024, proporção semelhante à registrada entre os próprios chefes de família.

O estudo reforça conclusões de outras pesquisas, que indicam que famílias de baixa renda são as mais afetadas pelas apostas esportivas. Para o Banco Central, é plausível que a promessa de ganho fácil, característica do discurso de muitas plataformas, exerça maior influência sobre pessoas em situação de fragilidade econômica.

A instituição afirma que segue acompanhando o impacto das apostas e que ainda são necessários mais dados e tempo para avaliar, de forma mais precisa, as implicações dessa atividade para a economia, a estabilidade financeira e o bem-estar da população.

As apostas online foram legalizadas no Brasil em 2018, no governo Michel Temer (MDB). Ficaram sem regulamentação por quase 6 anos. A regulamentação passou a valer em janeiro de 2025, no atual governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Durante o período de vácuo legislativo, sites se proliferaram usando estratégias de comunicação hoje proibidas, como sugerir que as apostas podem ser um complemento de renda.

Apostadores com menor poder aquisitivo e baixa escolaridade são os mais afetados pela atuação das plataformas que permanecem na ilegalidade, segundo o IBJR. São pessoas que ficam sem acesso aos mecanismos de proteção contra o vício oferecidos pelos sites regulamentados.

Atualmente, o número de sites autorizados ultrapassa 200. Cada operadora pode ter até 3 domínios. Além dos impostos, as empresas pagam uma outorga de 30 milhões de reais para atuar por 5 anos. As autoridades brasileiras já desativaram mais de 11 mil domínios sem autorização, mas a atuação dos ilegais persiste.

Para auxiliar os consumidores, a SPA (Secretaria de Prêmios e Apostas) estabeleceu critérios para identificar sites seguros. As plataformas autorizadas devem utilizar o domínio “.bet.br” e adotar sistema rígido de cadastro, com reconhecimento facial para impedir acesso de menores de 18 anos.

Os sites regulamentados também precisam oferecer limites de perdas financeiras e tempo de jogo, permitir apenas transações via Pix e débito na conta do titular, além de oferecer mecanismos de autoexclusão para apostadores.

Por: Poder360

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