"É ela quem acompanha os menus. Eu até prefiro que seja assim", disse à Folha de S.Paulo a chef Morena Leite, responsável por alimentar o batalhão de cerca de 300 pessoas reunidas para os trabalhos no MAM (Museu de Arte Moderna) do Rio.
Paulistana de 44 anos, Morena assina o cardápio da rede de restaurantes centrada no Capim Santo, tradicional endereço de comida brasileira em São Paulo. "É muito emocionante. Tenho feito diversos trabalhos para o Itamaraty, mas este é o mais importante", conta.
Segundo ela, Janja é mais ativa do que Lula na sua área. "Havia toda uma preocupação com os temas da cúpula, a fome, a segurança alimentar", disse, afirmando ter priorizado ingredientes e preparos "comuns da mesa do brasileiro".
Janja vive inusual protagonismo na cúpula, tendo xingado do empresário Elon Musk em um evento paralelo ao fórum e sendo a única primeira-dama participando da cúpula, atrás do marido, apesar de não ter cargo no governo. Tudo isso tem irritado diplomatas e aliados do presidente, enquanto apoiadores da socióloga apontam machismo estrutural e inveja na reação.
Morena não trata desses temas. A chef, que já serviu o francês Emmanuel Macron e irá responder pela recepção de Estado ao chinês Xi Jinping nesta quarta (20) em Brasília, conta que passou por uma experiência inédita nesta cúpula.
Segundo ela, como acontece em filmes, a segurança de dois presidentes, o americano Joe Biden e o turco Recep Tayyip Erdogan, estava presente dentro da cozinha provando ingredientes para garantir que seus chefes não seriam passariam mal -por obra de uma pimentinha a mais ou, na fantasia usual, veneno.
O relacionamento, contudo, nada teve de arestoso. "Ficamos trocando receitas. Eles tinham repertório, sabiam o que era moqueca, mandioca", afirma a chef, que disse ter se comunicado em inglês, francês e espanhol com os sisudos homens de preto.
A principal orientação, vinda tanto do Itamaraty quanto de Janja, era a de um cardápio brasileiro sem sustos. Pimenta, só de cheiro. "Era para ser bem acessível."
Nas sessões de trabalho entre os líderes, eram colocados à mesa petiscos diversos: bolinho de cacau vegano, barquinha de tapioca, tira de polvilho, bananinha, balinhas de coco e diversas castanhas. Para beber, café e água.
No almoço da segunda, a entrada consistia de um tomate com cuscuz nordestino refogado com legumes sobre cama de folhas, e havia duas opções de principais: um espeto de costelinha com rubacão, arroz cremoso paraibano com queijo coalho, e um pirarucu com purê de mandioca e farofa com tucupi.
Lula manteve a fama carnívora e foi de costela. Dez dos líderes, que Morena não nomeou, escolheram uma terceira opção, a vegetariana, na forma de um nhoque de mandioquinha. Para sobremesa, pudim à base de castanha do Pará e musse.
Para beber, como se tratava de almoço de trabalho, sucos típicos: cupuaçu, graviola, caju, goaiba, abacaxi com capim-santo. Álcool, só à noite no coquetel formal, que teve galinhada, arroz carreteiro, ravioli de tapioca e mini moranga de carne seca com couve.
Já nesta terça (19), o almoço a partir das 15h terá moqueca baiana, picadinho com rosti de mandioca e, novamente, o nhoque vegetariano.
Comida é política. Nos anos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002), a cozinha do poder era tocada pela chef Roberta Sudbrack, que imprimiu forte tom francês nos elogiados cardápios que elaborava.
Nos seus dois primeiros mandato (2003-2010), Lula simplificou as coisas e deu fama ao restaurante Tia Zélia, um clássico da comida popular em Brasília.
Na volta ao poder, Janja assumiu o setor, mantendo a fama de centralizadora que lhe rende críticas na Esplanada, e buscou trazer nomes novos revelados na TV. Na vez de Elisa Fernandes, a ex-MasterChef que serviu na recepção ao argentino Alberto Fernández em junho de 2023, deu errado: Lula queixou-se publicamente da comida.
Com Morena, a relação se estreitou a partir da visita de Macron em maio, e está se ampliando. A chef será a nova Roberta Sudbrack? "Está caminhando para isso", brinca.