Do Pix ao etanol: o que é alvo de investigações dos EUA no Brasil
Do Pix à propriedade intelectual, saiba quais são os itens brasileiros os Estados Unidos querem investigar em meio a guerra comercial
Na última terça-feira (15/7), o governo norte-americano de abriu uma investigação comercial contra o Brasil. Pix, etanol e propriedade intelectual estão no pacote de ações e itens a serem investigados. A notícia veio menos de uma semana após a carta de Trump que decretou a taxação de produtos brasileiros em 50% a partir do dia 1° de agosto.
A investigação será conduzida pelo Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR) e vai analisar medidas adotadas pelo governo Lula que possam prejudicar empresas de tecnologia estadunidenses.
O representante comercial dos , Jamieson Greer, afirmou que a investigação seria iniciada com base nos “ataques do Brasil contra as empresas americanas de mídias sociais, além de outras práticas comerciais desleais que afetam empresas, trabalhadores, agricultores e inovadores tecnológicos dos Estados Unidos”.
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Conheça os itens que serão alvo de investigação:
Comércio digital e serviços de pagamento eletrônico: o documento divulgado pelos EUA afirma que o Brasil criou um ambiente hostil para empresas de tecnologia norte-americanas, fazendo referência às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que puniram plataformas como a Truth Social, que pertence a Trump.
“Também são mencionadas ordens sigilosas para remover publicações e bloquear críticos políticos, inclusive cidadãos americanos. Essas ações aumentariam custos, riscos regulatórios e favorecem concorrentes brasileiros”, diz o texto.
O documento também faz referência ao Pix, dizendo que “o Brasil também parece adotar várias práticas desleais em relação aos serviços de pagamento eletrônico, incluindo, mas não se limitando, a favorecer os serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo”.
O texto afirma também que o país impõe restrições excessivamente amplas à transferência de dados pessoais para fora, incluindo para os Estados Unidos, que podem não levar em conta adequadamente os objetivos comerciais de rotina.
Tarifas preferenciais: A carta continua e afirma que o Brasil reduziu as tarifas de forma injusta e preferencial ao celebrar acordos comerciais preferenciais de âmbito parcial com grandes parceiros comerciais, prejudicando os Estados Unidos ao aplicar tarifas mais elevadas às importações norte-americanas.
“Isso pode suprimir as exportações e a produção econômica dos EUA, com consequências negativas para o emprego e a produção doméstica”, diz, afirmando que o Brasil concede à Índia e ao México um tratamento tarifário preferencial que não concede aos Estados Unidos.
Fiscalização anticorrupção: segundo os EUA, os esforços do Brasil no combate à corrupção enfraqueceram consideravelmente em algumas áreas. “Por exemplo, relatórios indicam que os promotores públicos se envolveram em acordos opacos para conceder clemência a empresas envolvidas em corrupção e indicam conflitos de interesse em decisões judiciais”.
O documento diz que as evidências indicam que a falta de aplicação de medidas anticorrupção e de transparência no Brasil podem prejudicar as empresas americanas envolvidas em comércio e investimento no país e levantam preocupações em relação às normas relacionadas ao combate ao suborno e à corrupção.
Proteção à propriedade intelectual: os EUA afirmam que o Brasil seria omisso na proteção de direitos de propriedade intelectual, afetando empresas americanas de tecnologia e criatividade.
“O Brasil se envolve em uma variedade de atos, políticas e práticas que aparentemente negam a proteção e a aplicação adequadas e eficazes dos direitos de propriedade intelectual. Por exemplo, o Brasil não conseguiu lidar de forma eficaz com a importação, distribuição, venda e uso generalizados de produtos falsificados”.
O texto cita a Rua 25 de Março, que fica em São Paulo e afirma que o local permaneceu durante décadas um dos maiores mercados de produtos falsificados, apesar das operações policiais direcionadas a essa área.
Etanol: O documento diz que os Estados Unidos sofrem com tarifas mais altas sobre o etanol impostas pelo Brasil e com o desequilíbrio comercial resultante da decisão do Brasil de abandonar o tratamento recíproco, praticamente isento de impostos, que promovia o desenvolvimento de ambas as nossas indústrias e um comércio próspero e mutuamente benéfico.
O país diz que essas tarifas tiveram impactos comprovados nas exportações de etanol dos EUA para o Brasil.
Desmatamento ilegal: segundo os americanos, o Brasil falha na aplicação eficaz das leis e regulamentos ambientais do Brasil e que isso contribuiu para o desmatamento ilegal no país. “Os fazendeiros e agricultores brasileiros aproveitaram essas terras desmatadas ilegalmente para a produção agrícola de gado e uma ampla variedade de culturas, incluindo milho e soja”, diz o texto.
Seção 301 da Lei Comercial dos Estados Unidos
A investigação será conduzida sob a , um instrumento que permite investigações caso os direitos dos EUA sob qualquer acordo forem negados e se uma prática de um governo estrangeiro violar ou prejudicar de forma irregular o comércio dos norte-americanos.
A medida é, normalmente, utilizada em casos excepcionais para construir casos e buscar soluções de controvérsias na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Reação do presidente Lula
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concedeu entrevista à CNN Internacional e afirmou que o Brasil não quer ser refém dos EUA.
“Ninguém quer se separar dos EUA, ninguém quer ser livre dos EUA, o que queremos não é ser reféns dos EUA, queremos liberdade, não queremos ser reféns dos EUA”, afirmou. Ele disse, também, que Trump não foi eleito para ser “imperador do mundo”.
divulgado na quinta-feira (17/7), Lula avaliou que o Brasil sempre esteve aberto ao diálogo. De acordo com ele, foram realizadas mais de 10 reuniões com o governo dos Estados Unidos, e uma proposta de negociação foi encaminhada.
Lula disse que ao invés de uma resposta, o que o país recebeu foi uma “chantagem inaceitável” em forma de ameaça às instituições brasileiras, com informações falsas sobre o comércio entre o Brasil e os Estados Unidos.
“Só uma pátria soberana é capaz de gerar empregos, combater as desigualdades, garantir saúde e educação, promover o desenvolvimento sustentável e criar as oportunidades que as pessoas precisam para crescer na vida”, disse ele.
O que dizem especialistas
De acordo com o professor titular de Direito Internacional público da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Gebrics, Grupo de estudos sobre o Brics da USP, Paulo Borba Casella, cada país tem o direito de promover investigações, o que pode estar previsto em diferentes modalidades e a prática em si não é o problema.
Ele explica que o uso dessas investigações em relação a criar obstáculos ao comércio com o Brasil é a principal questão. Segundo ele, a partir dessa identificação começam a ser caracterizadas ilegalidades e violações das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), cuja base é de supressão de barreiras tarifárias e de não criação de outras barreiras não tarifárias.
“Claramente, o propósito dessas investigações é agravar a oneração de exportações brasileiras para o mercado americano. Com relação ao Pix, é mais difícil dizer que eles possam ter algum direito a fazer essa reclamação, porque um sistema que foi desenvolvido no Brasil para pagamentos que funciona muito bem com custo zero e que empresas americanas que poderiam oferecer generosamente um serviço equivalente, não têm o direito de pretender que se deixe de utilizar uma tecnologia desenvolvida no país, simplesmente para agradar os profissionais e as companhias de um outro estado”, afirmou o professor ao Metrópoles.
Segundo ele avalia, as investigações são apenas uma forma de criar pressão para fazer onda e depois tentar negociar. Para ele, Trump age com alegações e exigências absurdas para depois tentar chegar a um meio termo obtendo vantagens.
Por: Metrópoles