Gritzbach -morto há três semanas durante um ataque no aeroporto de Guarulhos- era investigado, à época, por lavagem de dinheiro e suspeita de envolvimento num duplo homicídio de lideranças da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
Mais de um ano depois, ele acusou policiais civis de exigir R$ 40 milhões para encerrar um inquérito contra ele. Num acordo de delação premiada, o empresário admitiu ter participado do esquema de lavagem mas negava ser o mandante das mortes.
Questionada sobre o caso, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) disse que a Polícia Civil está "ciente das denúncias apontadas pela reportagem" e que todas as informações que constam na delação de Gritzbach são apuradas pela corregedoria da instituição, que integra a força-tarefa criada para investigar as circunstâncias do ataque no aeroporto. "As investigações seguem sob sigilo, motivo pelo qual os detalhes serão preservados", disse a secretaria.
Dois laudos periciais do Instituto de Criminalística mostram que iPhones apreendidos na casa de Gritzbach foram restaurados às configurações originais de fábrica. O procedimento faz com que o telefone apague arquivos digitais que foram armazenados anteriormente.
Um dos documentos mostra que um iPhone 8 foi restaurado às 17h48 do dia 13 de fevereiro de 2022. O aparelho havia sido apreendido dois dias antes, e estava sob custódia do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) quando foi resetado.
A perícia, através de um programa de computador, chegou a extrair algumas informações desse celular. No entanto, nenhuma mensagem de aplicativos de comunicação foi levada ao inquérito a partir dessa análise.
Outro laudo pericial mostra que um segundo telefone de Gritzbach, também um iPhone, sofreu um "reset de fábrica" às 12h12 do dia 22 de março -ou seja, um mês e 11 dias após chegar ao mesmo Deic. Desse aparelho, não foi extraída nenhuma informação.
A investigação levou mais de um ano para identificar que os aparelhos tinham sido resetados, e isso só ocorreu após um pedido de um delegado do próprio Deis para que a perícia determinasse se isso tinha acontecido. Os exames foram feitos em junho de 2023.
No caso do segundo aparelho, dentro do saco plástico que guardava o celular havia também um lacre quebrado, indicando que a sacola usada na apreensão já havia sido aberta e o lacre original, deixado ali dentro. Outra perícia mostrou, ainda, que um terceiro celular foi resetado dias antes da busca e apreensão pela polícia.
Apesar de ter conseguido extrair alguns dados de um celular que já tinha sido reconfigurado, a perícia não conseguiu fazer o mesmo com outro aparelho apreendido. Nesse caso, era um celular considerado fundamental pela defesa de Gritzbach porque, supostamente, traria provas que comprovariam sua versão sobre o assassinato em dezembro de 2021 de Anselmo Santa Fausta e Antônio Corona Neto, apontados como integrantes do PCC.
Sobre esse aparelho, a perícia afirmou que não era possível acessar os dados pois ele estava bloqueado e o perito não dispunha da senha. A análise desse celular não conseguiu determinar se ele havia sido resetado ou não.
Os laudos que mostram a reconfiguração dos celulares somam-se às denúncias -de Gritzbach e também de outro denunciado- de que policiais interferiam nas investigações de forma indevida.
O agente penitenciário David Moreira da Silva, apontado pela investigação como intermediário entre o mandante e o executor do duplo homicídio, afirmou ao juiz do caso que assinou um depoimento que já estava pronto.
A sentença do juiz registra que Silva afirmou, na última vez que foi ouvido, que foi levado ao DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) e orientado "a inventar qualquer coisa do Vinicius [Gritzbach], ou então pegaria as irmãs e a esposa dele e mandaria prendê-las. Contou que o depoimento dele já estava pronto. Confirmou que leu o depoimento".
Essa orientação -e a suposta ameaça de prisão de familiares- teria partido de Eduardo Monteiro, chefe dos investigadores do DHPP. Monteiro estava entre os policiais denunciados por Gritzbach em sua delação premiada, entre outros policiais do mesmo departamento do Deic e do 24º DP (Ponte Rasa).
Em seu primeiro depoimento, Silva tinha dito que nunca tinha conversado com Gritzbach. Depois, ele mudou sua versão e afirmou que havia encontrado o empresário numa ocasião em que estava num bar com Noé Alves Schaun -apontado como o autor dos tiros que mataram Santa Fausta e Corona Neto-, e que este teria se oferecido para "qualquer tipo de serviço" e fornecido seu número de telefone. .
O relato não convenceu o juiz Bruno Ronchetti de Castro, que viu evidências suficientes do envolvimento tanto de Silva quanto de Gritzbach no crime e decidiu levá-los a júri popular.
Além disso, outro problema é que os celulares encontrados dentro do carro onde Santa Fausta e Corona Neto foram apresentados por PMs diretamente na delegacia, sem preservar a cena do crime. O caso configura uma quebra da cadeia de custódia das provas, irregularidade que no limite poderia invalidar um processo.
Sobre os celulares resetados, o juiz Ronchetti de Castro considerou que a questão não poderia alterar o resultado do julgamento pois as perícias foram feitas num inquérito separado, e foram levadas à investigação após pedido da própria defesa.
O magistrado afirmou ainda, que as investigações policiais possuem "presunção de validade e legitimidade" dos atos praticados. "Aliás, nem poderia ser de outra forma, sob pena de se
inviabilizar a persecução penal."
Policiais civis, militares e integrantes do PCC são investigados por suspeita de participação no assassinato de Gritzbach no aeroporto de Guarulhos.
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