Diretamente da Amazônia para Denver, nos EUA, o cacique Biraci Nixiwaka (que viajou ao país financiado pelo Indigenous Medicine Conservation Fund), da etnia yawanawá, foi de longe a fala mais celebrada durante a cerimônia de abertura da 4ª edição da Psychedelic Science Conference. Ele abordou em seu discurso a necessidade de integração dos saberes ancestrais na ciência psicodélica.
“Vim aqui para convidar a comunidade científica a entrar pela porta da nossa casa, mas pela porta da frente, não pelas janelas nem pelos fundos”, disse logo no início de seu discurso. Arrancou aplausos da plateia lotada. Ayahuasca, peiote, ibogaína e cogumelos contendo psilocibina são consumidos há séculos por povos originários em contextos sagrados, rituais e comunitários.
Mas na era da “psicodelia terapêutica”, essa herança é frequentemente ignorada ou explorada sem retorno. “A ciência é muito importante para o futuro da humanidade, estou plenamente de acordo. E nós, povos indígenas, originários, podemos contribuir muito com a ciência para o bem comum da humanidade”, disse, dando ênfase ao fato de que desde tempos imemoriais os indígenas cuidam e detêm o conhecimento das plantas.
A relação entre ciência e sabedoria ancestral voltou com força na 4ª edição do evento.
Em 2023, a organização foi alvo de críticas, com direito a protestos contundentes, que foram ouvidos. Pela 1ª vez, o evento destinou um espaço permanente à presença indígena, com falas de líderes e curadores tradicionais. A mudança é simbólica, mas ainda incipiente. De um total de mais de 500 palestras e painéis, menos de 5% são protagonizados por representantes de comunidades originárias.
O ponto central do debate é o extrativismo espiritual. Substâncias como o peiote, usado no sudoeste dos EUA e do México, estão ameaçadas de extinção com a coleta descontrolada por parte de entusiastas urbanos. A ayahuasca, cuja preparação e consumo estão enraizados em comunidades indígenas da Amazônia, é frequentemente importada para retiros terapêuticos no Norte Global sem consulta, compensação ou reconhecimento das tradições que sustentam seu uso há milhares de anos.
A tensão entre tradição e ciência também é epistemológica. Para muitas comunidades indígenas, a ação das plantas não pode ser separada de seu contexto espiritual e ecológico. Já para a ciência biomédica, a substância isolada deve ser testada em laboratório, padronizada e registrada como fármaco. Essa dicotomia afeta não só o uso, mas a forma como essas experiências são compreendidas: uma visão centrada na cura relacional, outra na intervenção química.
O próprio conceito de “terapia assistida por psicodélicos”, popularizado nos Estados Unidos e na Europa, marginaliza o papel de líderes espirituais, rezadores e guias tradicionais. Os facilitadores treinados nos centros urbanos seguem protocolos clínicos, já os curadores indígenas operam em linguagens e paradigmas que ainda hoje são desvalorizados, quando não criminalizados pelas autoridades sanitárias e jurídicas.
Biraci Nixiwaka concluiu seu discurso propondo trabalho em conjunto, mas só se for a partir do respeito: “A gente pode contribuir com o mundo científico desde que vocês nos respeitem e reconheçam que os povos originários é que são os guardiães dessas plantas”.
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