Maria Lima, 28, e Richard Guerra, 32, que se conheceram em Portugal durante um show do Gusttavo Lima, abriram em Tavira, cidade praiana do Algarve, a LS Limpezas, especializada em higienizar alojamentos locais –nome que se dá no país aos quartos e casas alugados por aplicativos como o Airbnb.
A demanda é grande: eles contam que a LS, que tem seis funcionários, tem cerca de 70 clientes habituais. Também começa a prospectar outra área, a de limpeza de prédios recém-inaugurados ou reformados.
"Nosso trabalho inclui até pequenos reparos para deixar os alojamentos prontos para o próximo cliente", diz Guerra. O sucesso já permitiu ao casal comprar uma casa de praia e fazer viagens pela Europa.
Lima e Guerra têm uma trajetória comum entre os brasileiros que vão morar na região, que começam com pequenos trabalhos e depois empreendem. Ela nasceu no Ceará, morou na Rocinha, no Rio, e trabalhou em restaurantes e casas de repouso. Ele é mineiro, chegou a Portugal ainda criança com a mãe, então recém-divorciada, e trabalhou como caminhoneiro e entregador antes de se casar com Lima e se estabelecer em Tavira.
Brasileiros apareceram com destaque na pesquisa "Imigrantes na Profissão em Turismo e Hospitalidade no Algarve", realizada pelo KIPt (Conhecimento para Inovar Profissões no Turismo, na sigla em inglês), um centro de estudos no município de Loulé, vizinho a Faro, patrocinado por empresários locais e por seis universidades espalhadas pelo país. "Entre os trabalhadores de diversas nacionalidades, são os brasileiros os que melhor se integram na cultura da região", diz a economista portuguesa Antónia Correia, coordenadora do levantamento.
O objetivo dele era justamente entender o perfil dos imigrantes para sugerir estratégias de integração às empresas e ao poder público. "O turismo no Algarve precisa de imigrantes, e tudo o que não queríamos era que vivessem segregados em guetos, como acontece em outros lugares da Europa", afirma Correia. "Os brasileiros têm maior facilidade por causa da língua e da proximidade cultural."
A pesquisa identificou três perfis de imigrantes no Algarve na faixa de 20 a 39 anos. Nos dois primeiros, "imigrantes com afinidade cultural e necessidades socioeconômicas" e "imigrantes que procuram melhor qualidade de vida e novas oportunidades" –que de certa forma se sobrepõem–, os brasileiros são o maior contingente. O terceiro engloba estrangeiros com escolaridade superior, e aí há predominância de outros países europeus.
Rosana Alcântara, 36, mineira de Contagem, vive em Portugal desde os 19. Casou-se, divorciou-se, trabalhou em restaurantes e conta que enfrentou discriminação e machismo. "Do tipo mais clássico, o homem que chega no fim da noite ao restaurante e oferece uma carona só porque você é brasileira", diz.
Com o tempo, adaptou-se a Portugal. "No início os trabalhos costumavam ser por temporada. Hoje há empregos mais estáveis, pois há turistas no Algarve o ano inteiro. O auge é o verão, mas no inverno chegam os europeus do norte, para quem a temperatura ainda é comparativamente quente."
Foi graças às garantias trabalhistas que Alcântara pôde empreender. Ela usou o seguro-desemprego para comprar equipamentos profissionais de cozinha. Após um investimento de EUR 5 mil (cerca de R$ 30 mil), ela hoje produz salgadinhos em larga escala. "Cozinho para festas, casamentos e batizados, e também preparo porções para os que querem comer na praia."
Já Renata Venâncio, 28, radicada em Faro, enquadra-se no perfil dos "nômades digitais", jovens com curso superior que vêm ao país em busca de novas experiências. Fã de música eletrônica, ela sonhava em ir ao festival Amsterdam Dance Event, mas a Holanda parecia longe demais para quem morava em Jaru, no interior de Rondônia. A pandemia, no entanto, trouxe-lhe novas perspectivas. "O trabalho remoto transformou minha vida. Descobri que poderia ganhar dinheiro vivendo em qualquer lugar."
Formada em engenharia de alimentos, começou como professora em cursos técnicos. Seguiu na área educacional –hoje, a partir de Faro, atende remotamente a três empresas do setor de educação, uma em Malta, outra nos Emirados Árabes e uma terceira nos Estados Unidos. Ela também criou um curso sobre como encontrar trabalho remoto em redes sociais.
O turismo responde por cerca de 20% do PIB português. De acordo com Correia, a economista, no Algarve esse número chega perto de 25% e influencia mais de 40 áreas econômicas, da produção de alimentos à construção civil.
Nem o partido de ultradireita Chega questiona a imigração por lá. Vários doadores da sigla são donos de hotéis e restaurantes na região. Sem a mão de obra dos brasileiros –e dos indianos, nepaleses, angolanos, moçambicanos e outros estrangeiros–, seus estabelecimentos não sobreviveriam.