• Sábado, 21 de dezembro de 2024

Boulos resgata estilo 'raiz' e amplia indignação para atrair eleitor de Marçal

Com falas mais enérgicas e postura mais reativa neste segundo turno, o candidato se distancia do jeito moderado adotado na sua segunda tentativa consecutiva de chegar à prefeitura.

"Pode tirar o cavalinho da chuva!", bradou Guilherme Boulos (PSOL) em um palanque na última quarta-feira (9), com o rosto suado e os braços em movimentos firmes, diante de militantes de sua campanha à Prefeitura de São Paulo que reagiam com aplausos e gritos de aprovação.

"Você não vai ser presidente porque nós vamos reeleger o Lula", continuou.

O recado em tom inflamado era para o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), a quem Boulos acusou de usar Ricardo Nunes (MDB) "como fantoche para tentar viabilizar uma candidatura à Presidência em 2026".
Na saída do evento, batizado como "Plenária Arrancada da Vitória", um aliado comentava o retorno do que chamou de "Boulos raiz". O estilo combativo dos mais de 20 anos em que coordenou o MTST (Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto) cristalizou a imagem de radical explorada por adversários.

Com falas mais enérgicas e postura mais reativa neste segundo turno, o candidato se distancia do jeito moderado adotado na sua segunda tentativa consecutiva de chegar à prefeitura. O objetivo: se aproximar dos eleitores de Pablo Marçal (PRTB), que ficou em terceiro e agora tem o espólio disputado.

A postura informal, com lugar para piadinhas e trocadilhos e um gestual mais próximo do perfil de manifestante do que de político tradicional, já vinha dando as caras nas semanas anteriores, à medida que o influenciador crescia com sua retórica veemente que cativou uma parcela antissistema.

A mãe de Boulos, a médica Maria Ivete, ficou preocupada quando o filho, empolgado na caminhada com Lula na véspera do primeiro turno pela avenida Paulista e rua Augusta, subiu no teto do carro que os levava e ergueu os punhos para acenar à multidão. Teve medo de que ele se desequilibrasse e caísse.

O ajuste no comportamento, segundo assessores, não significa uma guinada, mas foi aconselhado a partir do diagnóstico de que parte do sucesso de Marçal se deveu ao fato de encarnar uma indignação que responde aos anseios de eleitores. Há também a avaliação, no entorno do deputado, de que o autodenominado ex-coach demonstrou energia, algo útil para seduzir parcelas menos ideológicas.

Como a tônica da campanha de Boulos no segundo turno para tentar reverter a vantagem de Nunes passa por pregar a mudança, a adaptação na forma se tornou uma das ferramentas para tentar atrair os 70% de eleitores que não escolheram o prefeito no primeiro turno.

Além disso, o deputado incorporou temas da campanha de Marçal, com estímulo ao empreendedorismo e medidas para trabalhadores de aplicativos.
Na prática, contudo, o cenário é adverso. O aspirante à reeleição lidera a corrida com 22 pontos percentuais à frente, segundo o Datafolha (55% a 33%), e herda 84% dos eleitores do candidato do PRTB.

Aliados de Boulos afirmam que o tom adotado no primeiro turno teve sua importância, por duas razões.

A primeira é que ele conseguiu se situar como um candidato maduro e equilibrado em meio aos exageros e pirotecnias de Marçal, que figurou como um provocador, chegando a tirar o próprio deputado do PSOL do sério com a cena em que agitou uma carteira de trabalho diante do rosto dele para afrontá-lo, durante debate em agosto.

O outro objetivo perseguido com a estratégia era controlar a rejeição ao nome de Boulos, que se manteve estável ao longo do primeiro turno, embora em patamar alto -só sendo superada na reta final por Marçal, que chegou ao dia da votação com 53% de eleitores que não votariam jamais nele.

Um efeito colateral admitido por interlocutores de PSOL e PT é que o candidato acabou ficando semelhante a Nunes e ao estereótipo de político tucano, inclusive pelo figurino, com camisa social e terno. Em 2020, ele ainda circulava de camiseta, e a campanha no geral era mais irreverente e ousada.

Na quinta-feira (10), ao participar de sabatina do Grupo Globo, Boulos foi questionado sobre o discurso mais contundente dos últimos dias, com escalada nos ataques a Nunes. Ele tem chamado o prefeito de "pau-mandado do centrão" e "Gasparzinho", pela decisão de não ir a todos os debates.

O candidato disse na entrevista querer demonstrar firmeza, que não deve ser confundida com "estridência ou radicalismo", em suas palavras. Ele tenta estabelecer um contraste rotulando o adversário como um político fraco, sujeito a manipulações e "sem pulso firme" para comandar a capital.
Sobre si mesmo, diz sem ressalvas que tem "o maior orgulho" de ter liderado o MTST e atribui sua rejeição, hoje expressa por 58% do eleitorado, ao fato de "ter lado".

Na cúpula da campanha de Boulos, a informação é que o comportamento dele será modulado conforme o contexto. Não se deve esperar uma atitude incendiária como a de Marçal, segundo pessoas próximas, mas, sim, uma maneira incisiva de falar e mobilizar a base.

O presidente Lula também sugeriu ao deputado uma abordagem mais calorosa. "Lembra que o povo é mais emocional do que [se move pela] razão", disse o petista em transmissão na internet com Boulos poucos dias antes do primeiro turno. "Fale com o coração das pessoas, querido", completou.

Parte da militância já tinha manifestado descontentamento com os modos mais contidos. Após a fala na plenária da última quarta, uma página de simpatizantes compartilhou os trechos do candidato esbravejando contra Nunes com o comentário de que "acordaram o Boulos do Velho Testamento".

"A Faria Lima, a especulação imobiliária e a máquina estão com o nosso adversário, mas o povo está com a gente", discursou durante o evento, para satisfação dos correligionários, que buscam manter o engajamento em alta nas próximas duas semanas.

Artigos Relacionados: