A operação Contenção, realizada em 28 de outubro nos complexos da Penha e do Alemão, marcou como a ação policial mais letal da história do país. Documentos enviados ao STF —relatórios da polícia, ofícios do governo estadual, registros do TJ-RJ e manifestações do MPF— mostram como o Estado tratou os presos, o andamento das investigações e as controvérsias jurídicas que se seguiram.
A operação Contenção foi uma ação conjunta das polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro que mirou a facção CV (Comando Vermelho). A ação teve como objetivo cumprir 51 mandados de prisão, 145 de busca e apreensão, além de outras ordens expedidas pela Justiça do Rio de Janeiro e do Pará.
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, que é o relator temporário da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 635, conhecida como ADPF das Favelas, pediu esclarecimentos ao governo do Rio, comandado por Cláudio Castro (PL), sobre a conduta e os resultados da operação para analisar se houve abusos ou irregularidades. Para isso, determinou, em 2 de novembro, a “preservação e documentação rigorosa e integral” de todos os elementos materiais.
Antes da operação, a Corte já havia determinado, na ação, diversas medidas para redução da letalidade durante ações policiais em comunidades do Rio de Janeiro.
Em 3 de novembro –6 dias depois da ofensiva– o governo do Estado encaminhou ao STF um relatório para sustentar a legalidade da megaoperação. Eis a íntegra (PDF – 3 MB).
No documento, a Sepol (Secretaria Estadual de Polícia Civil) afirmou que a ação seguiu de maneira integral os parâmetros constitucionais, além de ter a supervisão do Ministério Público, por meio do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), e garantiu os direitos humanos.
Segundo o delegado José Pedro Costa da Silva, que assinou o documento, “a atuação do Estado, diante de organizações criminosas com perfil narcoterrorista, configura o exercício legítimo do poder-dever de proteger a sociedade, concretizando o princípio da legalidade e reafirmando o compromisso da Sepol com a transparência e a defesa dos direitos humanos, em conformidade com o Estado Democrático de Direito e a proteção da vida”.
Sobre as prisões o relatório indica que:
Entre os mortos, nenhum constava na lista da decisão judicial que autorizou a entrada nas comunidades. Além disso:

Durante a operação, 5 policiais também foram mortos –sendo 4 no dia 28 de novembro e 1 em 22 de novembro, após quase 1 mês internado:
Durante a operação foram apreendidos:
O principal alvo da megaoperação, Edgar Alves Andrade, conhecido como Doca, não foi preso. Líder do CV, ele fugiu do cerco ao usar suspeitos armados como barreira humana. O Disque Denúncia oferece uma recompensa de R$ 100.000 por informações que levem à captura de Doca.
Outros 9 chefes do tráfico, em diferentes Estados, morreram durante a operação:

Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ação foi “desastrosa” e uma “matança”. “O dado concreto é que a operação, do ponto de vista da quantidade de mortes, foi considerada um sucesso, mas do ponto de vista da ação do Estado, acho que foi desastrosa”, declarou em 4 de novembro a veículos como as agências de notícias Reuters e AFP.
Leia abaixo como se deu a análise do caso no Supremo em 1 mês:
As audiências de custódia, relatadas posteriormente pelo tribunal ao STF, mostram que:
O 1º foi enviado em 3 de novembro. Eis a íntegra (PDF – 3 MB).
Segundo o documento:
O delegado José Pedro Costa reiterou que a ação foi direcionada a enfrentamento “ao perfil narcoterrorista” da facção.
No documento, o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), descreve uma série de práticas atribuídas ao Comando Vermelho nas comunidades do Estado. Segundo ele, os integrantes do CV “ocupam territórios, ameaçam gravemente a população civil, expulsam pessoas de suas casas, limitam a locomoção, extorquem e pilham comerciantes, impedem a prestação de serviços, agridem, estupram e torturam os moradores que resistem às suas práticas”.
O governador voltou a defender que o grupo pode ser “plenamente comparado a organizações narcoterroristas internacionais”, por combinar práticas criminosas violentas com o domínio de territórios e a intimidação da população.
Castro reforçou ainda que o uso da força foi “compatível com a reação dos criminosos”. O governador defendeu que “não há notícias de óbitos referentes a indivíduos não pertencentes à organização narcoterrorista”, o que, segundo ele, “indica a limitação da atuação policial exclusivamente sobre o grupo”.
O governador ainda resgatou falas do ministro do STF em defesa de armas letais durante operações policiais. Em 5 de fevereiro, Moraes disse: “Qualquer operação no Rio de Janeiro -porque estamos a falar do Rio de Janeiro- contra milícias, tráfico de drogas, me parece óbvio que o armamento a ser utilizado é o armamento mais pesado possível que a polícia tenha”. Castro destacou, entre outros trechos, o momento em que Moraes cita o uso “necessário” da força em casos concretos.
No mesmo dia, Castro recebeu Moraes no CICC (Centro Integrado de Comando e Controle), no Rio. A reunião foi fechada para a imprensa. Assista a vídeo do encontro (45s):
Em 17 de novembro, novo relatório técnico-probatório (eis a íntegra – 8MB) enviado pela Polícia Civil, e registrado no TJ-RJ, detalha:
O relatório fala ainda em:
Em 10 de novembro, Moraes determinou ao governo de Castro o envio à Corte de todos os laudos de autópsia realizados depois da operação Contenção.
Em 14 de novembro, a PGE (Procuradoria Geral do Estado) enviou petição (eis a íntegra – 289 kB) afirmando que:
Em 13 de novembro, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro encaminhou ao STF:
Esse documento é o raio-X judicial da operação.
Em 17 de novembro, a Polícia Civil informou (eis a íntegra – 256 kB) ao STF que:
A empresa responsável pelos equipamentos (L8) enviou inicialmente um relatório automático indicando 57 câmeras usadas entre 4h e 20h. Depois, ampliando o intervalo para 3h a 20h, chegaram ao número final: 62 câmeras registradas. A Polícia Civil informou que 2 servidores que retiraram mais de uma câmera, o que criou duplicidade no sistema. O STF pediu preservação integral das imagens.
O MP-RJ enviou manifestação ao STF acusando o MPF de tentar assumir:
Em resposta, o Procurador Federal dos Direitos do Cidadão afirmou que:
O caso está agora sob análise do ministro Alexandre de Moraes.
Em 14 de novembro, o Instituto Anjos da Liberdade informou ao STF que levou a operação Contenção à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, alegando que a ação configura “massacre” e pode caracterizar “crimes contra a humanidade”.
Diz que houve “decapitações, tortura, execuções e desaparecimentos”, e que o Estado do Rio “não garantiu transparência” nem efetivo controle das instituições locais. Critica o Ministério Público do Rio por suposta impunidade histórica e afirma que o sistema estadual está “incapacitado de investigar” o caso. Pede que Moraes tome ciência e reforce o controle externo diante das denúncias.
Em 24 de novembro, a Adepol (Associação dos Delegados de Polícia do Brasil) apresentou uma manifestação nos autos da ADPF das Favelas, alinhada às declarações públicas do governador Cláudio Castro e defendendo a megaoperação.
O documento é um amicus curiae que:
Em 26 de novembro, o MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura) enviou um extenso ofício ao ministro Alexandre de Moraes afirmando que “o Estado do Rio violou prerrogativas do órgão”, omitiu informações e há “indícios de violações graves de direitos humanos” na operação.
Principais alegações:
“A operação gerou denúncias de graves violações de direitos humanos (…) e o Estado não forneceu as informações necessárias para análise do caso”, afirma o órgão.
O MNPCT pediu providências imediatas, audiência urgente com o ministro e reforça que a questão tem ligação direta com a ADPF das Favelas e com as decisões estruturais impostas ao Rio. Moraes ainda deve analisar o pedido.





